Por:
Alberto Murray
Durante
dez anos eu me empenhei em denunciar as mazelas de Carlos Nuzman. Fiz tudo que
estava ao meu alcance. Acompanhei “pari
passu” suas atividades no Comitê Olímpico Brasileiro. Denunciei, divulguei,
propalei, publiquei, investiguei, escrevi ao Ministério Público Federal
diversas vezes, fui ao Senado Federal, colaborei com parlamentares que
pretendiam instalar uma CPMI Olímpica (o que acabou por nunca ser instalada),
ajudei competentes jornalistas a elaborar matérias demolidoras contra o
presidente do COB. Comuniquei-me com frequência com diversos membros do Comitê
Olímpico Internacional (“COI”), sendo que vários deles, antigos amigos de nossa
família, deram-me ouvidos. Municiei o COI com vasta documentação. Embora em
alguns instantes eu parecesse ser uma voz isolada rodeado por pessoas iludidas
pelo discurso ufanista da canalhice, nunca deixei de acreditar nas palavras de
Gandhi, que disse “Houve tiranos,
assassinos … E, por um tempo, eles parecem invencíveis. Mas, no final, sempre
caem. Pense sempre nisto”.
Eu
tenho plena convicção de que minha perseverança colaborou para a derrocada de
Carlos Arthur Nuzman do mundo do esporte. Fui, ao longo do tempo, lido e
ouvido.
Fui
atleta. Venho de uma família de atletas. Meus filhos e meus sobrinhos são
atletas. Tenho a honra e o privilégio de ser neto de um dos maiores expoentes
do olimpismo do Brasil, Major Sylvio de Magalhães Padilha que, com erros e
acertos, mas sempre com paixão e honestidade, criou as bases do esporte e da
educação física no Brasil. Ainda como atleta olímpico mundialmente destacado,
meu avô criou a estrutura do esporte de massa em nosso país, nos idos da década
de quarenta (www.sylviodeagalhaespadilha.com.br). De lá para cá, a verdade é
que pouco de diferente foi feito. Como sempre alertava meu avô, “se o esporte não caminhar com a educação,
não funciona”. Como muitos dizem, “a educação física no Brasil pode ser
dividida antes e depois de Padilha”. E foi seguindo de perto seu trabalho,
conhecendo sua história, que incorporei definitivamente o esporte em minha
vida. O Movimento Olímpico é, antes de qualquer coisa, uma filosofia de vida,
que preconiza a união dos povos por meio do desporto e que pela prática da
atividade física podemos nos tornar cidadãos melhores. Tento ter o olimpismo
como minha filosofia de vida.
LINK |
Conheci
Carlos Nuzman muito cedo, quando eu ainda era criança e ele presidente da CBV.
Muito cedo fui aprendendo a observar o esporte, o comportamento das
Confederações, as personalidades de seus dirigentes. Havia muitos que admirava,
enquanto outros, nem tanto. Em 1979 Nuzman, democraticamente, almejou a
presidência do Comitê Olímpico Brasileiro. Tinha todo direito de ser candidato,
até porque naquela época o estatuto da entidade era democrático e estava longe
de ser o “atos institucional anacrônico” que ele enfiou goela abaixo das confederações,
a partir de 1996. Nuzman perdeu a eleição para meu avô. Acompanhei todo aquele
processo muito de perto. Alguns podem achar que minha rejeição a Nuzman remonta
ao fato dele ter se oposto a meu avô, no COB. Não é nada disso. Acompanhei de
perto aquela eleição e seus bastidores. Nuzman achava, desde aquele tempo, que
o dinheiro era capaz de resolver qualquer questão. No COB, efetivamente, não
era. Nuzman estava errado. Meu avô nunca permitiu estripulias com o dinheiro olímpico,
que na época era bem raro. Nuzman fez uma campanha sórdida, pérfida,
nauseabunda e repulsiva. Insistiu nos mesmos métodos asquerosos nos anos
subsequentes, porém sequer conseguiu por de pé sua candidatura. Veio assumir o
COB, apenas em 1996, em um cambalacho jurídico feito no estatuto, entre ele e
André Richer, pelo qual no meio do mandato trocariam de posições, isto é,
Richer passaria para a vice-presidência e Nuzman assumiria a presidência. Um
casuísmo que envergonhou o Movimento Olímpico brasileiro. Foi ali, naquele
momento, com aquele imoral conluio estatutário, que Nuzman tornou-se presidente
do COB. Nuzman nunca disputou uma eleição para o COB. Nos ciclos seguintes,
apenas encarregou-se de intimidar as confederações com ameaças de
estrangulamento financeiro e impunha-se como candidato único. Notem que todas
as eleições que Nuzman disputou com alguém, posteriormente, perdeu. Nuzman
concorreu por duas vezes ao Comitê Executivo do COI e uma vez à presidência da
ODEPA. Perdeu as três. Foram as únicas vezes que Nuzman teve que enfrentar
concorrentes. Nunca logrou êxito.
LINK |
Eu
me sinto na obrigação de carregar o legado que meu avô deixou para o esporte. É
uma questão pessoal. Sinto isso. Sou assim. Nuzman no COB representava tudo
aquilo que sempre desacreditei no esporte. Sua preocupação era, em primeiro
lugar, usar o cargo para promoção pessoal. Além disso, não tinha atenção alguma
com a construção da base do esporte, com a massificação. Sim, o COB tem essa
obrigação, na medida em que passou a receber vasto dinheiro público, pelo que
teria a obrigação de dar à sociedade a contrapartida, preocupando-se em
democratizar o acesso à prática do desporto. Isso passava ao largo das ideias
de Carlos Nuzman. Em 1.996 Nuzman convidou-me para integrar a assembleia geral
do COB. Sem nenhum tipo de acordo com ele, ou seja, mantendo minha
independência, aceitei. Um antigo membro do COB alertou-me: “Não pense que
Nuzman o quer no COB porque ele acha que Você pode contribuir. Pelo contrário,
ele acha que Você é alguém que pode tirar o cargo dele, então ele lhe quer ter
por perto”. Notei que as assembleias do
COB eram um mero referendo de tudo que já havia sido anteriormente definidos
por Nuzman e um grupo muito pequeno de assessores, pessoas, aliás, com as quais
absolutamente não concordava. A palavra das confederações eram tolhidas e nas
poucas vezes em que vi algum presidente discordar de alguma coisa, foi recebido
com grosserias. O medo de se expressar imperava entre as confederações. O
receio de retaliações era gigantesco. Os presidentes sabem que tenho razão.
A
preparação para os Jogos Pan-americanos Rio 2007 foi um deboche completo, uma
demonstração do indesejável capitalismo de compadrio. Tudo era feito em
benefício de um grupo seleto de empresários e políticos amigos. Gravitavam em
torno do COB e do Comitê Organizador agências de turismo, agentes
intermediários, construtoras, empresas de marketing esportivo, bancos,
corretoras de seguros, call centers. O esporte era o que menos interessava. Licitação
de verdade era algo que não existia para aquela gente, aquela cúpula minúscula
que controlava uma enxurrada de dinheiro público. Basta ver os Votos do TCU que
se infere que os Jogos Pan-americanos tornaram-se dos maiores escândalos de
corrupção do Brasil. A conta final saiu 1.000% mais cara para o povo
brasileiro. Eu denunciei tudo aquilo, posso dizer, diariamente. Nunca desisti.
LINK |
Lutei
contra a realização dos Jogos Olímpicos no Rio. Assim o fiz por razões
ideológicas e práticas. Ideológicas porque acredito fielmente que em uma nação
cujo povo é carente de boa alimentação, moradia, segurança, saúde, transporte,
esporte para todos e tudo mais, despender dinheiro público para realizar uma
grande festa que não traria nenhum benefício, seria uma inversão de valores.
Conheço, modestamente, o olimpismo como poucos. Sou um estudioso da matéria.
Nunca acreditei no discurso oficial, ufanista, populacho de que os Jogos
Olímpicos seriam a salvação do Rio e do Brasil. Pelo contrário, considerando,
ainda, que os organizadores dos Jogos Olímpicos seriam os mesmos que dirigiram
os Jogos Pan-americanos, minha crença era que o certame Rio 2016 significaria
mais um ato de corrupção abundante e que agravaria a situação do País e da
Cidade. Mais uma vez eu tinha razão. Basta observarem o que ocorreu e tudo que
vem sendo descoberto com as investigações da Polícia Federal e do Ministério
Público. A malandragem começou na compra de votos e alastrou-se pelas diversas
obras que foram feitas às custas do dinheiro do povo brasileiro,
superfaturadas, objeto de propinas. E o esporte não avançou um metro sequer
após os Jogos Olímpicos. Pelo contrário, a crise financeira e moral do esporte
levou as Confederações e os atletas à condição de insegurança e o futuro que se
vislumbra é absolutamente incerto. Não obstante hoje tenhamos um novo
presidente do COB que demonstra boas intenções, ele terá um trabalho dificílimo
pela frente.
Ao
longo da vida e em minhas andanças pelo mundo já vivi inúmeras situações com
Carlos Nuzman, constrangedoras, daquelas que geram o sentimento mais profundo
de vergonha alheia. Nuzman parecia sentir inveja de si próprio. Era capaz de
tudo para parecer ser o que nunca foi. Eu vi, fui testemunha ocular, de tantas
e tantas passagens que o faziam ser uma personalidade ridícula no exterior. Os
mais antigos membros do COI, pessoas respeitadas no mundo Olímpico,
compartilhavam do meu pensamento.
Carlos
Nuzman sempre foi pernicioso ao esporte. Que não se fale que “apesar de tudo,
ele fez muito porque trouxe a Olimpíada para o Brasil”. Isso é compactuar com a
corrupção. E isso é inaceitável. Não há um só ato eventualmente tido como
positivo que possa justificar a corrupção. A peita, o aliciamento, a sedução
desvirtuada, a desvirtuação de caráter para atingir seus objetivos são afrontas
indesculpáveis. Durante minha batalha,
recebi diversos apoios velados de muitos atletas e algumas Confederações.
Sempre compreendi perfeitamente que ambos, atletas e presidentes, não tinham
liberdade para falar publicamente o que pensavam. Mas isso me fazia saber que,
ao cair o ditador, haveria gente capaz para levar adiante o projeto Olímpico do
Brasil. Nunca exigi heroísmo de ninguém.
Tem
muita gente boa no esporte. No COB há muita gente competente. A questão agora é
renovar a credibilidade do nosso Movimento Olímpico e fazê-lo ser, novamente, a
reserva moral do esporte nacional.
Eu
tinha razão. Sempre ataquei Carlos Nuzman calcado em fatos, conhecimentos,
informações e provas. Eu estava certo. Nuzman foi preso, renunciou ao COB, será
banido do COI e nunca mais participará de nada relativo ao mundo dos esportes.
Eu
seguirei minha luta, defendendo meus ideais Olímpicos e resguardando a memória
e o legado de meu avô, o anjo da guarda do esporte brasileiro, como certa vez
me disse a querida e competente Professora Kátia Rubio, de quem tenho o
privilégio de ser amigo e admirador.
Por
isso ajudei a derrubar Carlos Arthur Nuzman.
* Alberto Murray Neto, novembro 14 2017
Advogado, formado pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo, Largo de São Francisco. Pós-Graduado pela
Faculdade de Direito da Universidade de Toronto, Ontario, no Canadá. Autor do
blog albertomurray.wordpress.com
Maravilhoso depoimento de um homem correto de caráter!
ResponderExcluir