O
desumano drama estende-se Brasil afora. Reportagem na Folha de S. Paulo, em 15
de fevereiro, informa que mais de mil atletas menores vivem em alojamentos nos
principais clubes, vários em situação de improviso e irregularidade.
Como
dizia João Saldanha, “vida que segue”... até a próxima tragédia, muitas
silenciosas e despercebidas da imprensa. Ocorrem, por exemplo, nos consultórios
dos psicólogos dos clubes, quando há esse profissional! Cabe a eles dizer ao
candidato ao profissionalismo que o seu tempo para testes se esgotou. E acabou
o diálogo.
“Nem todos os clubes têm preocupação
com tema tão delicado. Tratam os jovens
como descarte, um produto que não serve. O sofrimento psíquico é muito grande,
principalmente se não têm alguém por perto para ampará-los”, escreveu o
psicólogo Rafael Moreno Castellani, na sua tese de doutorado – “O Futebol
Profissional e o Processo de Formação de Grupo” –, aprovada na USP em 2017.
Na
prática, a presença de um psicólogo é indispensável para um clube obter o
certificado de “Formador”. Mas, a maioria dos contratos são de fachada. “Esse
descuido é também uma tragédia anunciada, e o discurso de formação humana
através do esporte é apenas para inglês ver”, reforça Castellani.
O
psicólogo baiano, Renato Paes de Andrade, por sua vez, viu muito garoto chorar
em sua sala, quando trabalhou no Esporte Clube Vitória. Despreparados para dar
a notícia, técnicos e dirigentes transferem a missão aos psicólogos: “O sonho
acabou”! E lá vai o garoto, sem levar para os pais o que desejava, um contrato
valioso. Afastados por até 16 meses de suas famílias, esses jovens tornam-se
jogadores frustrados, motivo de chacotas dos coleguinhas, quem sabe com traumas
por longos anos.
Renato
conta outra “tragédia”. Depois da dispensa, muitas vezes o garoto aparece em
outro clube, com idade alterada, para mais ou para menos. São os famosos
“gatos”, prática conduzida, principalmente, por espertos agentes, “caçadores de
craques”, os mesmos que se encarregam de levá-los para o exterior, até com
passaporte falso, como identificou a CPI da CBF Nike, na Câmara dos Deputados.
O aliciamento e o tráfico internacional de atletas menores de idade são
escancarados. E daí?
Sem
fiscalização, quadrilhas agem explorando o desejo de milhares de jovens
humildes, que tentam no futebol um futuro melhor. Nesse comércio de horrores o
interesse econômico é prioridade. E tudo com o “de acordo” dos pais, já que
serão beneficiados, caso o “craque” vingue... Porém, o Estado, a CBF e o
Ministério Público estão ao largo dessa “tragédia” silenciosa.
José
Cruz, Jornalista. Comentarista esportivo.
Colaborador
do Jornal PODIUM desde 2011.
Artigo
publicado originalmente na
coluna
Campo Livre - UOL.
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