quinta-feira, 27 de junho de 2019

Apesar do potencial, CBF ainda despreza o futebol das mulheres


* JOSÉ CRUZ
            A Copa do Mundo de Futebol Feminino chegou a marcar 32 pontos de audiência na Globo, ou seja, mais de 30 milhões de pessoas torcendo pelas mulheres. Para os especialistas em futebol, bom papo para discussões técnicas. Ou: a seleção feminina também atrai telespectadores, incentiva anunciantes, vendas, consumo, negócios.
            Mas, com a eliminação da nossa Seleção, na derrota de 2 a 1 para a França, voltamos à realidade: o futebol feminino só mobiliza a torcida a cada quatro anos. No intervalo entre uma Copa e outra, sem competição oficial, nosso atraso é espetacular diante do mundo. Graças à Confederação Brasileira de Futebol, continuamos no subdesenvolvimento, apesar do expressivo crescimento das mulheres na prática esportiva em geral.
            Em Jogos Olímpicos, por exemplo: em 1960, elas representavam apenas 11% sobre o total de homens na competição. Nos Jogos Rio 2016 foram 45%. E assim é no futebol feminino, no Brasil, cada vez mais praticado nas escolas, principalmente. Mas faltam clubes e competições que incentivem o seu desenvolvimento ordenado.
            “Durante muito tempo as mulheres foram criadas longe do esporte, como se praticar esporte fosse algo eminentemente masculino. Isso está mudando, mas é uma realidade que precisa ser trabalhada”, afirma Amir Somoggi, da Sports Value, em recente estudo sobre o tema. 
            Sobre a eliminação do Brasil do Mundial Amir concluiu que, mesmo diante das dificuldades internas, há o que comemorar. “A população reencontrou nas meninas o amor pela seleção. Mas a modalidade ainda precisa ser trabalhada, pois se trata de um conteúdo com enorme potencial”.
            Segundo dados globais da empresa de pesquisa Repucom, as mulheres têm um enorme potencial como consumidoras esportivas.
            “Infelizmente, em países em desenvolvimento, como o Brasil, esse processo ainda é lento, com baixa audiência do público masculino pelas competições femininas e ainda baixo interesse do público feminino por esporte, na comparação com o público masculino”, diz o estudo.
            O dinheiro aplicado no futebol feminino mundial ajuda a entender nossa situação. Entre as seis confederações internacionais, a Sul-Americana, onde se situa a CBF, está em penúltimo lugar em investimentos, que em 2018 registrou os seguintes valores:

ENTIDADES                                                                  INVESTIMENTOS
                                                                                        Em US$ Milhões
UEFA (União das Assoc. do Futebol Europeu)  .................. 99,1
AFC (Confederação Asiática de Futebol) ............................ 22,1
CONCAF (Conf. F. América do Norte, Central e Caribe) .... 20,0
CAF (Confederação Africana de Futebol) ........................... 11,6
CONMEBOL (Conf. Sul-Americana de Futebol) ................... 2,5
OFC (Confederação de Futebol da Oceania) ........................1,4
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            O balanço da CBF de 2018 reforça o seu desprezo pela modalidade: aplicou R$ 132,6 milhões na seleção masculina. Já a seleção feminina e as categorias de base (seleções sub 23, sub 21, sub 15 e sub 13), apenas 36,6 milhões, média de R$ 7,2 milhões por equipe.
            “A CBF torrou R$ 1,9 bilhão em despesas administrativas e com pessoal nos últimos 16 anos. Atualizado pela inflação esse valor ultrapassa R$ 2,7 bilhões, reforça Amir Somogi em seu estudo. E conclui: “Com esse dinheiro seria possível revolucionar o nosso mercado. O papel da CBF é o desenvolvimento do futebol, e não pagamento de salários fora da realidade e gastos administrativos sem qualquer retorno. O maior inimigo do futebol brasileiro é a CBF”, concluiu o especialista.
            É preciso lembrar que o dinheiro “torrado” em despesas administrativas e salários pode ajudar a esconder a corrupção. O relatório alternativo da CPI do Futebol de 2016, no Senado, mostra o caminho das pedras para essa e outras trapaças.

José Cruz, jornalista e comentarista esportivo. 
Colaborador do Jornal PODIUM desde 2011.
Artigo publicado originalmente na
coluna Campo Livre - UOL.


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