sábado, 9 de março de 2019

O sistema age na corrupção em favor dos poderosos


* José Cruz
            Para quem tem dúvidas, a corrupção no esporte ocorre de várias formas. Nas últimas décadas, muitos desvios de grana ocorriam quando gente do extinto Ministério do Esporte ignorava prestações de contas fraudadas do dinheiro liberado. Ou aprovava relatórios de mentirinha, como se a grana tivesse sido aplicada no fim proposto. Se mexerem nesse passado!...
            Em outros casos, superfaturavam compras de equipamentos. Nos Jogos Pan-Americanos 2007 e Olimpíada 2016, o Tribunal de Contas da União identificou faturas pagas em dobro! E até faturas que foram pagas por serviços sequer prestados...
            Há um caso, que já narrei no UOL, mas vale repetir, pois demonstra como o “sistema” é real e poderoso. Foi entre 1994 e 1997, período em que Ary Graça sucedeu a Carlos Arthur Nuzman na presidência da Confederação Brasileira de Vôlei.
            Resumo da jogada: Em 1995, a Confederação de Vôlei recebeu o equivalente a US$ 3,5 milhões do patrocinador, Banco do Brasil, para realizar 17 etapas do Circuito de Vôlei de Praia, categorias masculina e feminina. Mas, ao contrário do ano anterior, só dez etapas foram realizadas, apesar de ter sido destinado o mesmo valor. O então deputado federal Augusto Carvalho quis saber, onde foi parar a grana de 14 etapas não realizadas?
            O surpreendente resultado está em detalhes na Decisão 855/1997, do Tribunal, de Contas da União. Em resumo, foi o seguinte: Fernando Gonçalves, o então ministro-relator desse processo, no TCU, adoeceu e foi substituído por Lincoln Magalhães da Rocha que, também se afastou do caso por motivo de saúde. Em sorteio, a relatoria foi para o ministro Adhemar Ghizi, casualmente, sogro do ex-craque do vôlei, Bernard Rajzman, criador do saque “jornada nas estrelas”, amigo e braço direito de Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente da Confederação de Vôlei e do COB e, claro, íntimo de Ary Graça. 
            O relatório do ministro Ghizi não deixou Bernard mal diante dos amigos. Depois de vasta argumentação, demonstrando pouca importância com o ocorrido, ele escreveu: “... o cerne das questões suscitadas pelo deputado Augusto Carvalho escapa à competência desta Corte (TCU), uma vez que não nos cabe fiscalizar o funcionamento da Confederação Brasileira de Vôlei...”
            Mas, a questão é que o Banco do Brasil foi ludibriado na exposição de sua marca, já que pagou por 17 etapas do circuito e não apenas dez.
            E disse mais o senhor Ghizi: “Na verdade, sendo tais verbas recebidas pela CBV a título de pagamento de contrato, não tem este Tribunal qualquer poder fiscalizatório em relação à utilização futura das verbas”.
            Com esse argumento, o parecer foi aprovado e o assunto encerrado. E ninguém ficou sabendo onde foi parar a grana das 14 etapas não realizadas. Nesse caso, o “sistema” foi influenciado pelo vínculo familiar.
            O “sistema” que esconde a corrupção em geral é interligado entre os poderes da República, independentemente de partido ou de quem esteja no governo. O sistema se mantém nas transições e nele agem amigos, políticos, parentes, clientes, lobistas, servidores, especialistas em transporte de malas... etc.
            A troca de favores, o tráfico de influência etc seguem a cartilha de São Francisco: “É dando que se recebe”...
            Por isso, não seria exagero plagiar o Presidente da República e dar nova ordem ao credo: “Deus acima de todos e o Sistema acima de tudo”.

José Cruz, jornalista e comentarista esportivo. 
Colaborador do Jornal PODIUM desde 2011.
Artigo publicado originalmente na
coluna Campo Livre - UOL.

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