Por:
JOSÉ CRUZ
Carmem
de Oliveira foi a primeira brasileira a vencer a Corrida de São Silvestre, em
1995. Em nível internacional, ela marcou 2h27min na maratona de Boston, recorde
sul-americano. Com ótima técnica e bom fôlego, fez do atletismo a sua
profissão.
De
família humilde, Carmem corria, literalmente, atrás de bons resultados para
conquistar prêmios em dinheiro, o seu salário, mas sem direito a férias. Quando
melhorava as suas marcas, Carmem valorizava o cachê para prestigiadas corridas,
e facilitava negociar novo contrato com o patrocinador. Mas precisava evitar
contusões para não parar. Era “trabalho” permanente, com treinos, viagens e
competições. Tudo em nome do “pão nosso de cada dia”.
Há
mais de dez anos fora das pistas, Carmem revela que não tem aposentadoria como
atleta. Pedagoga e militando na política por causas sociais, ela é crítica ao
modelo de reforma da Previdência e alerta os seus colegas atletas ainda na
ativa. Confira:
“A
reforma da Previdência esqueceu o atleta. Ela não contabiliza como `trabalho´
os dias de treinos, viagens e competições, para efeito de aposentadoria. Nas
últimas décadas, explorando o nosso potencial técnico e físico, representamos o
Brasil em eventos internacionais. E o próprio governo reconheceu a importância
de nosso `trabalho´ recompensando com a Bolsa-Atleta, patrocínios das estatais,
verbas para projetos etc.
Porém,
nada disso habilita os atletas à uma aposentadoria digna, porque falta a parte
legal do contrato de trabalho com o clube. Por exemplo: quantos competidores recolhem
o INSS de seus patrocínios, por anos ininterruptos? Quantos atletas têm
carteira ou contrato assinado com um clube e recolhimentos mensais ao INSS? Sem
isso, adeus aposentadoria digna.
As
autoridades públicas que tanto se orgulham dos feitos no esporte e nos abraçam
na hora dos holofotes não têm ideia do que é a rotina dos atletas; não sabem
como vivemos durante os escassos anos de nossas carreiras e, muito menos, o
abandono que sofreremos, quando paramos de competir.
Hoje,
eu vibraria mais com a retirada desse projeto nefasto, que sacrifica os mais
necessitados, do que com uma vitória numa maratona importante. Tenho a clareza
de que esse projeto visa capitalizar os banqueiros com a chegada de uma
Previdência privada.
Atletas,
não esqueçam que o governo não estará com vocês na pós-carreira. E, ao
contrário das excelências do Judiciário e do Legislativo, não haverá
privilégios nem pensões vitalícias!
Digam
algo! Ajam agora, pois essa atrocidade de reforma previdenciária não diz
respeito aos atletas, os `trabalhadores´ do esporte. Lutem contra esse projeto
como se fosse um pódio para o país”.
Para
concluir:
Faz
sentido o alerta de Carmem. Até no futebol, onde os atletas param, em média,
aos 35 anos, a situação é difícil. Precisam trabalhar mais trinta anos em outro
segmento para chegar à aposentadoria. Pior! As estatísticas mostram que apenas
15% dos profissionais brasileiros têm contrato de trabalho o ano todo. Segundo
a CBF, 82,4% dos atletas têm renda mensal de até R$1.000,00; 13,7% recebem R$
5.000,00 e apenas 6,9% dos jogadores recebem acima de R$ 10.000,00.
Ora,
se no futebol, a paixão nacional, a situação é essa, o que se passa nas demais
modalidades? O alerta de Carmem é oportuno: os atletas precisam estar atentos à
legislação e sua atualização para evitar dificuldades na pós-carreira.
José Cruz, jornalista e comentarista esportivo.
Colaborador do Jornal PODIUM desde 2011.
Artigo publicado originalmente na
coluna Campo Livre - UOL.
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