quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Porque ajudei a derrubar Carlos Arthur Nuzman

Por: Alberto Murray
            Durante dez anos eu me empenhei em denunciar as mazelas de Carlos Nuzman. Fiz tudo que estava ao meu alcance. Acompanhei “pari passu” suas atividades no Comitê Olímpico Brasileiro. Denunciei, divulguei, propalei, publiquei, investiguei, escrevi ao Ministério Público Federal diversas vezes, fui ao Senado Federal, colaborei com parlamentares que pretendiam instalar uma CPMI Olímpica (o que acabou por nunca ser instalada), ajudei competentes jornalistas a elaborar matérias demolidoras contra o presidente do COB. Comuniquei-me com frequência com diversos membros do Comitê Olímpico Internacional (“COI”), sendo que vários deles, antigos amigos de nossa família, deram-me ouvidos. Municiei o COI com vasta documentação. Embora em alguns instantes eu parecesse ser uma voz isolada rodeado por pessoas iludidas pelo discurso ufanista da canalhice, nunca deixei de acreditar nas palavras de Gandhi, que disse “Houve tiranos, assassinos … E, por um tempo, eles parecem invencíveis. Mas, no final, sempre caem. Pense sempre nisto”.
            Eu tenho plena convicção de que minha perseverança colaborou para a derrocada de Carlos Arthur Nuzman do mundo do esporte. Fui, ao longo do tempo, lido e ouvido.
            Fui atleta. Venho de uma família de atletas. Meus filhos e meus sobrinhos são atletas. Tenho a honra e o privilégio de ser neto de um dos maiores expoentes do olimpismo do Brasil, Major Sylvio de Magalhães Padilha que, com erros e acertos, mas sempre com paixão e honestidade, criou as bases do esporte e da educação física no Brasil. Ainda como atleta olímpico mundialmente destacado, meu avô criou a estrutura do esporte de massa em nosso país, nos idos da década de quarenta (www.sylviodeagalhaespadilha.com.br). De lá para cá, a verdade é que pouco de diferente foi feito. Como sempre alertava meu avô, “se o esporte não caminhar com a educação, não funciona”. Como muitos dizem, “a educação física no Brasil pode ser dividida antes e depois de Padilha”. E foi seguindo de perto seu trabalho, conhecendo sua história, que incorporei definitivamente o esporte em minha vida. O Movimento Olímpico é, antes de qualquer coisa, uma filosofia de vida, que preconiza a união dos povos por meio do desporto e que pela prática da atividade física podemos nos tornar cidadãos melhores. Tento ter o olimpismo como minha filosofia de vida. 
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            Conheci Carlos Nuzman muito cedo, quando eu ainda era criança e ele presidente da CBV. Muito cedo fui aprendendo a observar o esporte, o comportamento das Confederações, as personalidades de seus dirigentes. Havia muitos que admirava, enquanto outros, nem tanto. Em 1979 Nuzman, democraticamente, almejou a presidência do Comitê Olímpico Brasileiro. Tinha todo direito de ser candidato, até porque naquela época o estatuto da entidade era democrático e estava longe de ser o “atos institucional anacrônico” que ele enfiou goela abaixo das confederações, a partir de 1996. Nuzman perdeu a eleição para meu avô. Acompanhei todo aquele processo muito de perto. Alguns podem achar que minha rejeição a Nuzman remonta ao fato dele ter se oposto a meu avô, no COB. Não é nada disso. Acompanhei de perto aquela eleição e seus bastidores. Nuzman achava, desde aquele tempo, que o dinheiro era capaz de resolver qualquer questão. No COB, efetivamente, não era. Nuzman estava errado. Meu avô nunca permitiu estripulias com o dinheiro olímpico, que na época era bem raro. Nuzman fez uma campanha sórdida, pérfida, nauseabunda e repulsiva. Insistiu nos mesmos métodos asquerosos nos anos subsequentes, porém sequer conseguiu por de pé sua candidatura. Veio assumir o COB, apenas em 1996, em um cambalacho jurídico feito no estatuto, entre ele e André Richer, pelo qual no meio do mandato trocariam de posições, isto é, Richer passaria para a vice-presidência e Nuzman assumiria a presidência. Um casuísmo que envergonhou o Movimento Olímpico brasileiro. Foi ali, naquele momento, com aquele imoral conluio estatutário, que Nuzman tornou-se presidente do COB. Nuzman nunca disputou uma eleição para o COB. Nos ciclos seguintes, apenas encarregou-se de intimidar as confederações com ameaças de estrangulamento financeiro e impunha-se como candidato único. Notem que todas as eleições que Nuzman disputou com alguém, posteriormente, perdeu. Nuzman concorreu por duas vezes ao Comitê Executivo do COI e uma vez à presidência da ODEPA. Perdeu as três. Foram as únicas vezes que Nuzman teve que enfrentar concorrentes. Nunca logrou êxito. 
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            Eu me sinto na obrigação de carregar o legado que meu avô deixou para o esporte. É uma questão pessoal. Sinto isso. Sou assim. Nuzman no COB representava tudo aquilo que sempre desacreditei no esporte. Sua preocupação era, em primeiro lugar, usar o cargo para promoção pessoal. Além disso, não tinha atenção alguma com a construção da base do esporte, com a massificação. Sim, o COB tem essa obrigação, na medida em que passou a receber vasto dinheiro público, pelo que teria a obrigação de dar à sociedade a contrapartida, preocupando-se em democratizar o acesso à prática do desporto. Isso passava ao largo das ideias de Carlos Nuzman. Em 1.996 Nuzman convidou-me para integrar a assembleia geral do COB. Sem nenhum tipo de acordo com ele, ou seja, mantendo minha independência, aceitei. Um antigo membro do COB alertou-me: “Não pense que Nuzman o quer no COB porque ele acha que Você pode contribuir. Pelo contrário, ele acha que Você é alguém que pode tirar o cargo dele, então ele lhe quer ter por perto”.  Notei que as assembleias do COB eram um mero referendo de tudo que já havia sido anteriormente definidos por Nuzman e um grupo muito pequeno de assessores, pessoas, aliás, com as quais absolutamente não concordava. A palavra das confederações eram tolhidas e nas poucas vezes em que vi algum presidente discordar de alguma coisa, foi recebido com grosserias. O medo de se expressar imperava entre as confederações. O receio de retaliações era gigantesco. Os presidentes sabem que tenho razão.
            A preparação para os Jogos Pan-americanos Rio 2007 foi um deboche completo, uma demonstração do indesejável capitalismo de compadrio. Tudo era feito em benefício de um grupo seleto de empresários e políticos amigos. Gravitavam em torno do COB e do Comitê Organizador agências de turismo, agentes intermediários, construtoras, empresas de marketing esportivo, bancos, corretoras de seguros, call centers. O esporte era o que menos interessava. Licitação de verdade era algo que não existia para aquela gente, aquela cúpula minúscula que controlava uma enxurrada de dinheiro público. Basta ver os Votos do TCU que se infere que os Jogos Pan-americanos tornaram-se dos maiores escândalos de corrupção do Brasil. A conta final saiu 1.000% mais cara para o povo brasileiro. Eu denunciei tudo aquilo, posso dizer, diariamente. Nunca desisti. 
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            Lutei contra a realização dos Jogos Olímpicos no Rio. Assim o fiz por razões ideológicas e práticas. Ideológicas porque acredito fielmente que em uma nação cujo povo é carente de boa alimentação, moradia, segurança, saúde, transporte, esporte para todos e tudo mais, despender dinheiro público para realizar uma grande festa que não traria nenhum benefício, seria uma inversão de valores. Conheço, modestamente, o olimpismo como poucos. Sou um estudioso da matéria. Nunca acreditei no discurso oficial, ufanista, populacho de que os Jogos Olímpicos seriam a salvação do Rio e do Brasil. Pelo contrário, considerando, ainda, que os organizadores dos Jogos Olímpicos seriam os mesmos que dirigiram os Jogos Pan-americanos, minha crença era que o certame Rio 2016 significaria mais um ato de corrupção abundante e que agravaria a situação do País e da Cidade. Mais uma vez eu tinha razão. Basta observarem o que ocorreu e tudo que vem sendo descoberto com as investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. A malandragem começou na compra de votos e alastrou-se pelas diversas obras que foram feitas às custas do dinheiro do povo brasileiro, superfaturadas, objeto de propinas. E o esporte não avançou um metro sequer após os Jogos Olímpicos. Pelo contrário, a crise financeira e moral do esporte levou as Confederações e os atletas à condição de insegurança e o futuro que se vislumbra é absolutamente incerto. Não obstante hoje tenhamos um novo presidente do COB que demonstra boas intenções, ele terá um trabalho dificílimo pela frente.
            Ao longo da vida e em minhas andanças pelo mundo já vivi inúmeras situações com Carlos Nuzman, constrangedoras, daquelas que geram o sentimento mais profundo de vergonha alheia. Nuzman parecia sentir inveja de si próprio. Era capaz de tudo para parecer ser o que nunca foi. Eu vi, fui testemunha ocular, de tantas e tantas passagens que o faziam ser uma personalidade ridícula no exterior. Os mais antigos membros do COI, pessoas respeitadas no mundo Olímpico, compartilhavam do meu pensamento.
            Carlos Nuzman sempre foi pernicioso ao esporte. Que não se fale que “apesar de tudo, ele fez muito porque trouxe a Olimpíada para o Brasil”. Isso é compactuar com a corrupção. E isso é inaceitável. Não há um só ato eventualmente tido como positivo que possa justificar a corrupção. A peita, o aliciamento, a sedução desvirtuada, a desvirtuação de caráter para atingir seus objetivos são afrontas indesculpáveis.  Durante minha batalha, recebi diversos apoios velados de muitos atletas e algumas Confederações. Sempre compreendi perfeitamente que ambos, atletas e presidentes, não tinham liberdade para falar publicamente o que pensavam. Mas isso me fazia saber que, ao cair o ditador, haveria gente capaz para levar adiante o projeto Olímpico do Brasil. Nunca exigi heroísmo de ninguém.
            Tem muita gente boa no esporte. No COB há muita gente competente. A questão agora é renovar a credibilidade do nosso Movimento Olímpico e fazê-lo ser, novamente, a reserva moral do esporte nacional.
            Eu tinha razão. Sempre ataquei Carlos Nuzman calcado em fatos, conhecimentos, informações e provas. Eu estava certo. Nuzman foi preso, renunciou ao COB, será banido do COI e nunca mais participará de nada relativo ao mundo dos esportes.
            Eu seguirei minha luta, defendendo meus ideais Olímpicos e resguardando a memória e o legado de meu avô, o anjo da guarda do esporte brasileiro, como certa vez me disse a querida e competente Professora Kátia Rubio, de quem tenho o privilégio de ser amigo e admirador.
            Por isso ajudei a derrubar Carlos Arthur Nuzman.

* Alberto Murray Neto, novembro 14 2017
Advogado, formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Largo de São Francisco. Pós-Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de Toronto, Ontario, no Canadá. Autor do blog albertomurray.wordpress.com

 
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